[pág. 139-141, POEMA INÉDITO]
OS VELHOS
Em suma: somos os velhos,
Cheios de cuspo e conselhos,
Velhos que ninguém atura
A não ser a literature.
E outros velhos. (Os novos
Afirmam-se por maus modos
Com os velhos). Senectude
É tempo não é virtude…
Decorativos? Talvez…
Mas por dentro “era uma vez…”
*
Velhas atrozes, saídas
De tugúrios impossíveis,
Dispararam, raivoso, o dente
Contra tudo e toda a gente.
Velhinhas de gargantilha
Visitam o neto, a filha,
E levam bombons da crème
Ou palitos “de la reine”.
A ler p’lo sistema Braille
— Ó meus senhores escutai! —
Um velho tira dos dedos
Profecias e enredos.
Outros mijam, fazem esgares,
Têm “poses” e vagares
Bem merecidos. Nos jardins,
Descansam, depois, os rins.
Aqueloutros (os coitados!)
Imaginam-se poupados
Pelo tempo, e às escondidas
Partem p’ra novas surtidas…
Muito digno, o reformado
Perora, e é respeitado
Na leitaria: “A mulher
É em casa que se quer!”
Velhotes com mais olhinhos
Que tu, fazem recadinhos,
Pedem tabaco ao primeiro
E mostram pouco dinheiro…
E os que juntam capicuas
E fotos de mulheres nuas?
E os tontinhos, os gaiteiros,
Que usam cravo e põem cheiros?
(Velhos a arrastar a asa
Pago bem e vou a casa.)
E a velha que se desleixa
E morre sem uma queixa?
E os que armam aos pardais
Nessas hortas e quintais?
(Quem acerta co’os botões
Deste velho? Venha a cidade
Ajudá-lo a abotoar
Que não faz nada de mais!)
Velhos, ó meus queridos velhos,
Saltem-me para os joelhos:
Vamos brincar?
Alexandre O’Neill
Friday, July 30, 2004
Friday, July 23, 2004
Friday, July 09, 2004
Thursday, July 08, 2004
[pág. 116, POEMA INÉDITO]
CAPITAL
Casas, carros, casas, casos.
Capital
encarcerada.
Colos, calos, cuspo, caspa.
Cautos, castas. Calvos, cabras.
Casos, casos. Carros, casas...
Capital
acumulado.
E capuzes. E capotas.
E que pêsames! Que passos!
Em que pensas? Como passas?
Capitães. E capatazes.
E cartazes. Que patadas!
E que chaves! Cofres, caixas...
Capital
acautelado.
Cascos, coxas, queixos, cornos.
Os capazes. Os capados.
Corpos. Corvos. Copos, copos.
Capital, oh Capital,
Capital
decapitada!
David Mourão-Ferreira
CAPITAL
Casas, carros, casas, casos.
Capital
encarcerada.
Colos, calos, cuspo, caspa.
Cautos, castas. Calvos, cabras.
Casos, casos. Carros, casas...
Capital
acumulado.
E capuzes. E capotas.
E que pêsames! Que passos!
Em que pensas? Como passas?
Capitães. E capatazes.
E cartazes. Que patadas!
E que chaves! Cofres, caixas...
Capital
acautelado.
Cascos, coxas, queixos, cornos.
Os capazes. Os capados.
Corpos. Corvos. Copos, copos.
Capital, oh Capital,
Capital
decapitada!
David Mourão-Ferreira
Wednesday, July 07, 2004
[pág. 108]
Nesta árvore
onde até os pássaros se enforcam nos ninhos
há muito que mora
uma ninfa de carne incerta
fugida da borrasca
dos caminhos.
Bato-lhe de manso na casca...
Sou eu, ninfa. Abre! Estamos os dois sòzinhos
nesta rua deserta.
Sai cá para fora
e beija-me na boca.
Prova-me que a vida é louca.
José Gomes Ferreira
[pág. 95, POEMA INÉDITO]
Só nós e algum vadio te queremos,
meu rio Tejo antigo e sempre novo.
E, contudo, és as vértebras de um povo.
Armindo Rodrigues, DEZ ODES AO TEJO
Nesta árvore
onde até os pássaros se enforcam nos ninhos
há muito que mora
uma ninfa de carne incerta
fugida da borrasca
dos caminhos.
Bato-lhe de manso na casca...
Sou eu, ninfa. Abre! Estamos os dois sòzinhos
nesta rua deserta.
Sai cá para fora
e beija-me na boca.
Prova-me que a vida é louca.
José Gomes Ferreira
[pág. 95, POEMA INÉDITO]
Só nós e algum vadio te queremos,
meu rio Tejo antigo e sempre novo.
E, contudo, és as vértebras de um povo.
Armindo Rodrigues, DEZ ODES AO TEJO
Monday, July 05, 2004
[pág. 90]
E vós varinas que sabeis a sal
e que trazeis o Mar no vosso avental,
as Naus da Fenícia ainda não voltaram?!
Almada Negreiros, A CENA DO ÓDIO
[pág. 87, POEMA INÉDITO]
Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes..."
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.
Eu sei. E tu, sabias?
Eugénio de Andrade
[pág. 80]
São muitos. A doca está cheia.
Os mastros esbeltos, velas enroladas,
— A graça, o encanto das proas em bico,
E o sol enxarcado de luz e de sonho
As águas paradas...
.............................
...E além, a meio do Tejo, um cruzador
Acendeu a caldeira... Irá partir?!...
Na distância uma espécie de neblina
— Assim como a cambraia da mais fina, —
Vai formando no azul uns flocos d'oiro,
Transparentes, finíssimos, ........
..........................................
E um bando de gaivotas a grasnar
Poisa nas água [sic], fica a baloiçar...
António Botto, BARCOS DE PESCA
E vós varinas que sabeis a sal
e que trazeis o Mar no vosso avental,
as Naus da Fenícia ainda não voltaram?!
Almada Negreiros, A CENA DO ÓDIO
[pág. 87, POEMA INÉDITO]
Alguém diz com lentidão:
"Lisboa, sabes..."
Eu sei. É uma rapariga
descalça e leve,
um vento súbito e claro
nos cabelos,
algumas rugas finas
a espreitar-lhe os olhos,
a solidão aberta
nos lábios e nos dedos,
descendo degraus
e degraus
e degraus até ao rio.
Eu sei. E tu, sabias?
Eugénio de Andrade
[pág. 80]
São muitos. A doca está cheia.
Os mastros esbeltos, velas enroladas,
— A graça, o encanto das proas em bico,
E o sol enxarcado de luz e de sonho
As águas paradas...
.............................
...E além, a meio do Tejo, um cruzador
Acendeu a caldeira... Irá partir?!...
Na distância uma espécie de neblina
— Assim como a cambraia da mais fina, —
Vai formando no azul uns flocos d'oiro,
Transparentes, finíssimos, ........
..........................................
E um bando de gaivotas a grasnar
Poisa nas água [sic], fica a baloiçar...
António Botto, BARCOS DE PESCA
Friday, July 02, 2004
[pág. 78]
Passou o Outono já, já torna o frio…
Outono do seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado…
— O Sol, e as águas límpidas do rio.
Camilo Pessanha, CLEPSIDRA
[pág. 74, POEMA INÉDITO]
Ceifadas breves por um sol rasante
que à mansa tarde encrespa em clamas ondas
de outono ribeirinho e retardado,
gaivotas grasnam, tombam ensombradas
no cintilar macio ante meus olhos.
Velozes barcos passam distância,
rasgando apenas em silêncio e espuma
as águas pálidas no estanho delas.
Ante meus olhos tudo. Não é muito
para que eu sinta uma existência pronta
a comover-se por saber que existe.
Nem mesmo é nada. Se por ser eu sinto,
se por sentir escrevo e porque o escrevo
outros convenço de que tudo está
unívoco, prefixo, necessário
no círculo real que isto contém,
apenas ao real roubei gaivotas
grasnando à beira-rio, neste outono
que torna mansa tarde o entardecer.
Jorge de Sena
Passou o Outono já, já torna o frio…
Outono do seu riso magoado.
Álgido Inverno! Oblíquo o sol, gelado…
— O Sol, e as águas límpidas do rio.
Camilo Pessanha, CLEPSIDRA
[pág. 74, POEMA INÉDITO]
Ceifadas breves por um sol rasante
que à mansa tarde encrespa em clamas ondas
de outono ribeirinho e retardado,
gaivotas grasnam, tombam ensombradas
no cintilar macio ante meus olhos.
Velozes barcos passam distância,
rasgando apenas em silêncio e espuma
as águas pálidas no estanho delas.
Ante meus olhos tudo. Não é muito
para que eu sinta uma existência pronta
a comover-se por saber que existe.
Nem mesmo é nada. Se por ser eu sinto,
se por sentir escrevo e porque o escrevo
outros convenço de que tudo está
unívoco, prefixo, necessário
no círculo real que isto contém,
apenas ao real roubei gaivotas
grasnando à beira-rio, neste outono
que torna mansa tarde o entardecer.
Jorge de Sena
Subscribe to:
Posts (Atom)