Tuesday, November 11, 2003

Londres, 11 de Novembro de 2003
O silencio

Caros leitores e amigos,
lamento a falta de acentos, que se deve ao teclado de onde escrevo - AA library - e ao silencio desde a ultima actualizacao deste blog. E' dificil escolher entre escrever sobre as novidades e expectativas destas viagens de estudo e aproveitar todos os momentos de diferenca a que felizmente nos expomos quando nos deslocamos entre diferentes contextos.
De qualquer modo, vou comecar a trabalhar no meu site internauta para que possa disponibilizar em versao bilingue e de um modo mais agradavel e pratico esta enorme experiencia humana.
Ate' breve,
Lucia

Contacto - lucia_marques7@yahoo.com.br

Sunday, September 28, 2003

São Paulo, 4 de Setembro de 2003
O êxtase da novidade


A maior parte das vezes a constatação de que não podemos reter toda a experiência vivida é muito mais cruel que apaziguadora. Quando se está em viagem essa sensação é particularmente intensa, quase que ultrapassa o que somos capazes de suportar, tal é a emoção do novo, do diferente, do semelhante, do que se aprende. O dia de ontem parecia não terminar, a crônica não chegou para tantas exposições, alegrias e espantos. Às vezes é assim, muitas vezes aliás, a palavra não basta, e então enchemo-nos de adjectivos que sejam capazes de intensificar a linguagem, que a possam tornar ainda mais visual, texturada, sonora. E no Brasil o som é tanto daquilo que nos rodeia, a começar pelo modo como se fala o português, que aqui nos soa tão cantado, como se estivéssemos num estado de deslumbramento permanente. Mas sabemos que não é assim. E que esse optimismo é uma forma de sobrevivência, de viabilizar o futuro, num país de extremos tão profundamente intensos.

Depois do espanto das fotografias de Cristiano Mascaro, depois dos curiosos moldes de Rodin ainda na Pinacoteca, e do esclarecedor “Novecento Sudamericano (relações artísticas entre Itália, Argentina, Brasil e Uruguai)”, também no mesmo espaço, vi ainda pela mão do Cláudio o belíssimo catálogo “Luzes da Cidade”. Trata-se de uma edição recente com trabalhos do fotográficos de Mascaro, tão surpreendentemente próximos das imagens da “Lisboa, Cidade Triste e Alegre” de Victor Palla e Costa Martins, que algumas dessas vistas engajadas com a urbe bem podiam passar por originais do retrato lisboeta. Outra coincidência nada inocente é a abertura do livro de Mascaro com um trecho do heterônimo pessoano Álvaro de Campos:

“Rua sem poder encontrar uma sensação só de cada vez rua
Rua pra trás e pra diante debaixo dos meus pés
Rua em X em Y em Z por dentro dos meus braços
Rua pelo meu monóculo em círculos de cinematógrafo pequeno.
Caleidoscópio em curvas iriadas nítidas rua
Bebedeira da rua e de sentir ver ouvir tudo ao mesmo tempo.”

Ora a nossa “Lisboa, cidade triste e alegre” deve o seu título precisamente a um trecho do mesmo heterônimo...


(…) Outra vez te revejo,
Cidade da minha infância pavorosamente perdida…
Cidade triste e alegre, outra vez sonho aqui… (…)
Outra vez te revejo - Lisboa e Tejo e tudo.

Álvaro de Campos, "Lisbon Revisited (1926)"

Mas não é ainda o momento de explorar aqui todas as ilações desta coincidência tão promissora.
Na verdade, só agora é que entramos na quinta-feira propriamente dita, como tanta coisa que tinha ficado por relembrar no meu primeiro dia em São Paulo.
Depois da visita à exposição sobre a figura histórica de Napoleão Bonaparte na Fundação Armando Alvares Penteado (com uma montagem invejável, parabéns!), segui para o IMS, também em Higienópolis, e acabei por rever a exposição do fotógrafo Walter Carvalho, que em Abril passado, aquando da minha primeira visita ao Brasil, tive a oportunidade de Ver no IMS do Rio de Janeiro. E acreditem que valeu a pena!

Walter Carvalho teve o seu primeiro contacto com a fotografia no início dos anos 50, tendo-se mudado para o Rio em 1968, altura em que ingressou na Escola Superior de Desenho Industrial (ESDI). Aí obteve a sua formação como graphic designer, dedicando-se essencialmente ao documentário. Passou a buscar “a foto”. É muito sintomática até da nossa estrutura do pensamento a visão dicotômica que W. Carvalho tem da fotografia, comentando os seus dois momentos: entre a primeira e a segunda decisão, ou seja, entre o clique e a escolha final. Nesse sentido, o cinema é visto como extensão da fotografia, activando um outro tempo, embora igualmente reconstruído pelo nosso olhar posterior. E diga-se desde já que Walter Carvalho é um dos directores de fotografia mais respeitados e admirados no meio cinematográfico brasileiro! Só para terminar por hoje, não podia deixar de vos trazer uma citação de Cézanne escolhida pelo fotógrafo para reforçar a ideia de que se fotografa para constituir memória: “As coisas desaparecem, temos de nos apressar, se quisermos ver alguma coisa”...

Saturday, September 27, 2003

EMAIL: lucia_marques7@yahoo.com.br

BLOG sobre a pesquisa em curso: www.imagensdacidade.blogspot.com

Sunday, September 21, 2003

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Volto à escrita on-line apenas hoje, passados 18 dias desde a minha chegada a São Paulo!
É também um dia de viragem neste blog, que inicialmente incluía um resumo da pesquisa que me encontro a desenvolver. Pois bem, pensei melhor.
Acho que este espaço estará mais indicado para o tipo de crónicas a que me tenho dedicado no meu caderninho de notas desde o início desta viagem. Será um diário de viagem, ou melhor, de aprendizagens num sentido mais amplo, atento sobretudo à experiência humana da deslocação.

Deixarei o projecto de investigação propriamente dito para uma página de internet ainda em construção, que me permitirá explorar melhor as possibilidades do interface, nomeadamente ao nível da utilização de imagens, tão fundamental para este estudo.

Chamar-se-á "Imagens da Cidade", numa ligeira adaptação do título que Kevin Lynch deu ao livro que o tornou célebre, o mesmo que nos anos 70 influenciou toda uma geração de arquitectos portugueses, sendo precisamente esta uma década de profundo esquecimento da "Lisboa, Cidade Triste e Alegre". Fica o link para o blog provisório sobre o tema: www.imagensdacidade.blogspot.com

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Thursday, September 11, 2003

A razão de ser deste blog...

Depois das ainda mais ingênuas “Páginas de História de Arte”, que deixei de actualizar desde 1997, e onde colocava fichas de leitura no âmbito da minha licenciatura nessa área, volto ao espaço virtual para partilhar a minha mais recente pesquisa em torno da relação entre fotografia e arquitectura na década de 1950, e assim tentar criar mais oportunidades para a troca de ideias, referências, críticas e hipóteses reflexivas sobre as várias matérias implicadas no estudo de caso que constitui o leitmotiv das minhas viagens urbanas: a “Lisboa, Cidade Triste e Alegre” de Victor Palla e de Costa Martins.

Optei por um formato relativamente próximo do diário para poder registar as novidades e os desenvolvimentos da pesquisa numa velocidade mais próxima daquela em que vivemos, sobretudo quando se está em viagem. Tentarei uma triagem da memória que privilegie principalmente o que pode interessar à investigação, consciente do quanto (nos) encontramos na relação com os outros. A todos os que têm-me apoiado de algum modo, a minha eterna gratidão.Carpe diem!


Apontamentos de viagem em torno da Cidade na Fotografia

Lisboa, 1 de Setembro de 2003
A Bolsa


Foi no dia 9 de Julho deste ano que soube que tinha ganho uma Bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) para me poder dedicar em full time ao estudo da exposição-livro “Lisboa, Cidade Triste e Alegre” (1958-1959), de Victor Palla e de Costa Martins. A felicidade que senti foi tão intensa e profunda que fiquei quase sem palavras! (O que, para quem me conhece, é praticamente inacreditável!...) Tinha finalmente a oportunidade de poder voltar a investigar duas das minhas grandes paixões – Fotografia e Arquitectura -, sem o constrangimento de ter que cumprir um horário das nove às cinco para pagar as contas do mês. A independência tem preço!

Não é que as funções que até então desempenhei no antigo Instituto de Arte Contemporânea (actual IA-Instituto das Artes) pudessem corresponder propriamente ao que geralmente se chama de emprego, pois constituiu um grande desafio, sobretudo ao nível do trabalho de equipa. Mas estando o Instituto em processo de fusão com o Instituto das Artes do Espectáculo (IPAE) há cerca de um ano, tornou-se particularmente difícil desenvolver qualquer projecto ou mesmo dar continuidade à gestão corrente dos assuntos para os quais o IAC ia sendo solicitado até ao seu derradeiro fim. Mas essa é outra história.

A “nossa” história é a de uma viagem de cerca de 10 meses, que é o período coberto pela Bolsa da Gulbenkian, durante o qual me dedicarei à pesquisa de outros projectos similares ao que os arquitectos-fotógrafos Victor Palla e Costa Martins realizaram sobre a cidade de Lisboa, que é também a minha cidade natal, onde voltei a habitar em 1999.

Lisboa, 2 de Setembro de 2003
O início da grande viagem

Foi um dia feliz com muita tristeza, cheio de despedidas e também com alguns desencontros. Não tanto porque iria estar fora do país durante um mês, mas porque era toda uma nova etapa que realmente começava, em todos os sentidos. Finalmente embarquei às 20h20 para a frenética cidade de São Paulo do Brasil, fazendo escala junto dos “irmãos” madrilenos. Quando se viaja sozinho tem-se uma experiência da solidão totalmente diferente dos momentos que guardamos para nós no dia-a-dia. Tive mais uma vez a certeza de que é vital gostarmos do que fazemos para podermos dar o nosso melhor. Ainda tenho um horizonte de utopias.

São Paulo, 3 de Setembro de 2003
Reconhecer, conhecer

Cheguei à Nova Iorque brasileira! São Paulo parece-me agora muito mais bonito do que eu recordava. A minha primeira estadia no Brasil foi de 26 de Abril a 6 de Maio deste ano, passando apenas 1 dia em São Paulo e os restantes no Rio de Janeiro. Mas a essas primeiras memórias regressarei noutro dia com mais calma... Nunca esquecerei o apoio do António, do Paulo, da Nayse e do Rodrigo nessa “estréia” tão marcante e enriquecedora. Ou como cheguei a dizer tão espontaneamente a uma gaúcha verdadeiramente maravilhosa: o Brasil liberta! Hoje, dia 3, é a vez de relembrar o reencontro com o Cláudio, que foi quem me voltou a acolher em São Paulo, no paraíso dos empreendimentos residenciais dos anos 50: Higienópolis.

É também lá que se situa o Instituto Moreira Salles (IMS) de São Paulo, uma das instituições realmente incontornáveis para quem estuda a fotografia brasileira. Iniciada em 1995, a Colecção de Fotografia do seu acervo foi desde logo constituída por uma série de 70 imagens feitas pelo antropólogo belga Claude Lévi-Strauss na capital paulista dos anos 30. Foram depois progressivamente adquiridos trabalhos de outros fotógrafos de diferentes nacionalidades, privilegiando-se tematicamente imagens das cidades de S. Paulo e do Rio de Janeiro. Actualmente, existe toda uma rede de IMS a funcionar segundo diferentes tipos de actividades complementares: desde centros culturais a galerias e reservas técnicas, para além dos vários espaços de cinema associados a alguns serviços do Unibanco, também enquanto efectivo mecenas deste conjunto.

Por isso, se pensarmos numa instituição congênere em Portugal chegamos à conclusão de que não há propriamente uma entidade com as mesmas características, apenas se aproximando pela qualidade de iniciativas e pelo âmbito temático das respectivas colecções o Arquivo Fotográfico Municipal, da Câmara de Lisboa, com sede em instalações igualmente aprazíveis desde inícios dos anos 90.

Foi também neste primeiro dia em S. Paulo que o Cláudio me levou a ver a obra do fotógrafo Cristiano Mascaro na Pinacoteca do Estado. Devo-lhe esse encontro tão precioso para a minha investigação, pois o Cristiano não tem apenas um corpo de imagens muito próximas das de Victor Palla e de Costa Martins, ele dedicou-se, em paralelo, à reflexão teórica em torno da relação entre Fotografia e Arquitectura.

Intitulada “Olhares cruzados: Cristiano Mascaro vê Berlim, Sibylle Bergemman vê São Paulo”, a exposição contava então com um conjunto de imagens realizadas recentemente por cada um numa das cidades e incluía um pequeno currículo do fotógrafo no fim do respectivo núcleo de imagens. Destaco o mais significativo no âmbito da pesquisa:

Cristiano Mascaro é formado pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP) e iniciou a sua carreira profissional como repórter da revista “Veja”. Foi professor de Fotojornalismo e Comunicação Visual na FAU de Santos e de 1974 a 1988 dirigiu o Laboratório de Recursos Audiovisuais da FAU-USP. Recebeu o Prémio Atget em 1985 e um ano depois obteve o grau de mestre pela USP com uma dissertação sobre “O Uso da Imagem Fotográfica na interpretação do Espaço Urbano Arquitectónico”. Em 1994 completa o Doutoramento com a defesa da tese “Fotografia e a Arquitectura”. Juntamente com Sebastião Salgado e Pedro Martinelli, realizou debates sobre fotografia documental.

A exposição tinha também um texto muito curioso de Carsten Probst, intitulado “Esta não é uma cidade”, e uma citação de Arnaldo Jabor, certamente discutível para ambos os lados da questão...: “O Rio é um filme de ficção. São Paulo, um documentário”.

Fazendo um breve parêntesis, não posso ainda deixar de lembrar a emoção que dá ver in locco o “Tropical” (1917) de Anita Malfatti e “São Paulo” (1924) de Tarsila do Amaral!!!! E o “Bananal” de Lasar Segall!!! Que inveja! Há tão poucas obras hoje em dia que nos impressionam assim! Tudo na Pinacoteca, pois fazem parte do seu acervo, para além de Volpi, Brecheret, Di Cavalcanti, Flávio de Carvalho, Lygia Clark, Willys de Castro, etc etc. Também surpreenderam as palestras que, até Novembro próximo, se realizam ali, com entrada gratuita todos os sábados às 16h00, sobre a história da arte brasileira a partir do acervo da Pinacoteca. Em Portugal, só são comparáveis às visitas guiadas da Gulbenkian à Colecção permanente do Centro de Arte Moderna (CAM) da FCG, todos os sábados e domingos, às 12h ou às 15h, respectivamente, fazendo por vezes mais do que uma sessão temática por dia. É bom sentir que o museu está vivo.