— MAIS SOBRE A “LISBOA, CIDADE TRISTE E ALEGRE” EM:
www.imagensdacidade.blogspot.com
Segui aqui, página a página os excertos literários incluídos na Lisboa de Victor Palla e Costa Martins, por me parecer que aqui, o "nosso" ciberespaço, se presta de um modo muito feliz à capacidade de engendrar imagens, tal como previsto pela dupla Palla-Martins no seu poema gráfico urbano em livro.
Retomarei depois os meus comentários sobre estas evocações de imagens outras. Este livro fotográfico tem 32 excertos literários, dos quais 9 são poemas inéditos.
[pág. 147 # FIM]
LISBON BY NIGHT / FADO PARA A LUA DE LISBOA
Ó Lua, espelho do chão
que andas no céu pendurado,
holofote da ilusão
pelo turismo alugado,
não ilumines em vão
os sulcos do empedrado!
Denuncia nas valetas
as sombras que tu arrastas:
prostitutas, proxenetas,
silhuetas de pederastas…
Colos brancos. Rendas pretas.
Casas tortas. Pedras gastas.
As rugas do sobressalto,
ó Lua, não as destruas!
Tu viste carros de assalto
rondarem por estas ruas;
viste rolarem no asfalto
vestes mais alvas que as tuas.
Foste luz a que se expunha
aos tiros a multidão;
espelhaste na tua unha
a secular aflição;
e já foste testemunha
dos fogos da Inquisição.
Procissões do Santo Ofício…
Fileiras de condenados…
À noite, nem só o vício
rasteja por estes lados:
as serpentes do suplício
silvam nos pátios murados…
Ó Lua, guarda o retrato
de tudo, tudo a que assistas!
Não queiras passar ao lado
da desgraça que visitas!
Nem queiras ser infamado
passatempo de turistas!
Clorofórmio dos enfermos,
se foges dos hospitais,
então recolhe-te aos ermos
desertos celestiais!
E enquanto te não merecermos
não te acendas nunca mais!
David Mourão-Ferreira
Wednesday, May 25, 2005
Wednesday, August 04, 2004
Friday, July 30, 2004
[pág. 139-141, POEMA INÉDITO]
OS VELHOS
Em suma: somos os velhos,
Cheios de cuspo e conselhos,
Velhos que ninguém atura
A não ser a literature.
E outros velhos. (Os novos
Afirmam-se por maus modos
Com os velhos). Senectude
É tempo não é virtude…
Decorativos? Talvez…
Mas por dentro “era uma vez…”
*
Velhas atrozes, saídas
De tugúrios impossíveis,
Dispararam, raivoso, o dente
Contra tudo e toda a gente.
Velhinhas de gargantilha
Visitam o neto, a filha,
E levam bombons da crème
Ou palitos “de la reine”.
A ler p’lo sistema Braille
— Ó meus senhores escutai! —
Um velho tira dos dedos
Profecias e enredos.
Outros mijam, fazem esgares,
Têm “poses” e vagares
Bem merecidos. Nos jardins,
Descansam, depois, os rins.
Aqueloutros (os coitados!)
Imaginam-se poupados
Pelo tempo, e às escondidas
Partem p’ra novas surtidas…
Muito digno, o reformado
Perora, e é respeitado
Na leitaria: “A mulher
É em casa que se quer!”
Velhotes com mais olhinhos
Que tu, fazem recadinhos,
Pedem tabaco ao primeiro
E mostram pouco dinheiro…
E os que juntam capicuas
E fotos de mulheres nuas?
E os tontinhos, os gaiteiros,
Que usam cravo e põem cheiros?
(Velhos a arrastar a asa
Pago bem e vou a casa.)
E a velha que se desleixa
E morre sem uma queixa?
E os que armam aos pardais
Nessas hortas e quintais?
(Quem acerta co’os botões
Deste velho? Venha a cidade
Ajudá-lo a abotoar
Que não faz nada de mais!)
Velhos, ó meus queridos velhos,
Saltem-me para os joelhos:
Vamos brincar?
Alexandre O’Neill
OS VELHOS
Em suma: somos os velhos,
Cheios de cuspo e conselhos,
Velhos que ninguém atura
A não ser a literature.
E outros velhos. (Os novos
Afirmam-se por maus modos
Com os velhos). Senectude
É tempo não é virtude…
Decorativos? Talvez…
Mas por dentro “era uma vez…”
*
Velhas atrozes, saídas
De tugúrios impossíveis,
Dispararam, raivoso, o dente
Contra tudo e toda a gente.
Velhinhas de gargantilha
Visitam o neto, a filha,
E levam bombons da crème
Ou palitos “de la reine”.
A ler p’lo sistema Braille
— Ó meus senhores escutai! —
Um velho tira dos dedos
Profecias e enredos.
Outros mijam, fazem esgares,
Têm “poses” e vagares
Bem merecidos. Nos jardins,
Descansam, depois, os rins.
Aqueloutros (os coitados!)
Imaginam-se poupados
Pelo tempo, e às escondidas
Partem p’ra novas surtidas…
Muito digno, o reformado
Perora, e é respeitado
Na leitaria: “A mulher
É em casa que se quer!”
Velhotes com mais olhinhos
Que tu, fazem recadinhos,
Pedem tabaco ao primeiro
E mostram pouco dinheiro…
E os que juntam capicuas
E fotos de mulheres nuas?
E os tontinhos, os gaiteiros,
Que usam cravo e põem cheiros?
(Velhos a arrastar a asa
Pago bem e vou a casa.)
E a velha que se desleixa
E morre sem uma queixa?
E os que armam aos pardais
Nessas hortas e quintais?
(Quem acerta co’os botões
Deste velho? Venha a cidade
Ajudá-lo a abotoar
Que não faz nada de mais!)
Velhos, ó meus queridos velhos,
Saltem-me para os joelhos:
Vamos brincar?
Alexandre O’Neill
Friday, July 23, 2004
Friday, July 09, 2004
Thursday, July 08, 2004
[pág. 116, POEMA INÉDITO]
CAPITAL
Casas, carros, casas, casos.
Capital
encarcerada.
Colos, calos, cuspo, caspa.
Cautos, castas. Calvos, cabras.
Casos, casos. Carros, casas...
Capital
acumulado.
E capuzes. E capotas.
E que pêsames! Que passos!
Em que pensas? Como passas?
Capitães. E capatazes.
E cartazes. Que patadas!
E que chaves! Cofres, caixas...
Capital
acautelado.
Cascos, coxas, queixos, cornos.
Os capazes. Os capados.
Corpos. Corvos. Copos, copos.
Capital, oh Capital,
Capital
decapitada!
David Mourão-Ferreira
CAPITAL
Casas, carros, casas, casos.
Capital
encarcerada.
Colos, calos, cuspo, caspa.
Cautos, castas. Calvos, cabras.
Casos, casos. Carros, casas...
Capital
acumulado.
E capuzes. E capotas.
E que pêsames! Que passos!
Em que pensas? Como passas?
Capitães. E capatazes.
E cartazes. Que patadas!
E que chaves! Cofres, caixas...
Capital
acautelado.
Cascos, coxas, queixos, cornos.
Os capazes. Os capados.
Corpos. Corvos. Copos, copos.
Capital, oh Capital,
Capital
decapitada!
David Mourão-Ferreira
Wednesday, July 07, 2004
[pág. 108]
Nesta árvore
onde até os pássaros se enforcam nos ninhos
há muito que mora
uma ninfa de carne incerta
fugida da borrasca
dos caminhos.
Bato-lhe de manso na casca...
Sou eu, ninfa. Abre! Estamos os dois sòzinhos
nesta rua deserta.
Sai cá para fora
e beija-me na boca.
Prova-me que a vida é louca.
José Gomes Ferreira
[pág. 95, POEMA INÉDITO]
Só nós e algum vadio te queremos,
meu rio Tejo antigo e sempre novo.
E, contudo, és as vértebras de um povo.
Armindo Rodrigues, DEZ ODES AO TEJO
Nesta árvore
onde até os pássaros se enforcam nos ninhos
há muito que mora
uma ninfa de carne incerta
fugida da borrasca
dos caminhos.
Bato-lhe de manso na casca...
Sou eu, ninfa. Abre! Estamos os dois sòzinhos
nesta rua deserta.
Sai cá para fora
e beija-me na boca.
Prova-me que a vida é louca.
José Gomes Ferreira
[pág. 95, POEMA INÉDITO]
Só nós e algum vadio te queremos,
meu rio Tejo antigo e sempre novo.
E, contudo, és as vértebras de um povo.
Armindo Rodrigues, DEZ ODES AO TEJO
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